Uma duríssima radiografia do nosso tempo e da nossa cultura, pelo olhar inconformista de Mario Vargas Llosa. A banalização das artes e da literatura, o triunfo do jornalismo sensacionalista e a frivolidade da política são sintomas de um mal maior que afeta a sociedade contemporânea: a ideia temerária de converter em bem supremo a nossa natural propensão para nos divertirmos. No passado, a cultura foi uma espécie de consciência que impedia o virar as costas à realidade. Agora, atua como mecanismo de distração e entretenimento.
A figura do intelectual, que estruturou todo o século XX, desapareceu do debate público. Ainda que alguns assinem manifestos e participem em polémicas, o certo é que a sua repercussão na sociedade é mínima. Conscientes desta situação, muitos optaram pelo silêncio.
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"Na civilização do espectáculo,infelizmente,a influência que a cultura exerce sobre a política,em vez de lhe exigir que mantenha certos padrões de excelência e integridade,contribui para o deteriorar moral e civicamente,estimulando o que possa nele haver de pior,por exemplo,a simples farsa.Já vimos como,ao ritmo da cultura dominante,a política foi substituindo cada vez mais as ideias e os ideais,o debate intelectual e os programas,pela mera publicidade e pelas aparências.Consequentemente,a popularidade e o êxito conquistam-se não tanto pela inteligência e pela probidade,mas sim pela demagogia e pelo "talento" hístriónico.Assim dá-se o curioso paradoxo de que,enquanto nas sociedades autoritárias é a política que corrompe e degrada a cultura,nas democracias modernas é a cultura(ou aquilo que usurpa o seu nome) o que corrompe e degrada a política e os políticos.
O desprestígio da política nos nossos dias não conhece fronteiras e isso obedece a uma realidade incontestável: com variantes e matizes próprios de cada país,em quase todo o mundo,tanto o avançado como o subdesenvolvido,o nível intelectual,profissional e moral da classe política decaiu.As democracias sofrem desse desgaste e a sequela disso é o desinteresse pela política denunciado pelo absentismo nos processos eleitorais tão frequente em quase todos os países.
A que é que se deve que o mundo inteiro(ou quase) tenha vindo a pensar aquilo que todos os ditadores quiseram inculcar sempre nos povos que subjugaram,que a política é uma actividade vil?
Na nossa época,aqueles aspectos negativos da vida política foram muitas vezes ampliados de uma maneira exagerada e irresponsável por um jornalismo sensacionalista,tendo como resultado o convencimento da opinião pública de que a política é uma actividade de pessoas amorais,ineficazes e propensas à corrupção. O avanço da tecnologia audiovisual e dos meios de comunicação,que serve para contrariar os sistemas de censura e controlo nas sociedades autoritárias,deveria ter aperfeiçoado a democracia e incentivado a participação na vida pública. Contudo,teve antes o efeito contrário,porque a função crítica do jornalismo viu-se em muitos casos distorcida pela frivolidade e pela fome de diversão da cultura dominante.
A cultura deveria preencher o vazio que a religião ocupava outrora(no Ocidente).Mas é impossível que isso aconteça se a cultura(no seu sentido mais estruturante),atraiçoando essa responsabilidade,se orienta decididamente para a facilidade,evita os problemas mais urgentes e se torna mero entretenimento." (do 5º capítulo do livro A Civilização do Espectáculo)
A noção de cultura alterou-se profundamente. Nos nossos dias, moda, publicidade, turismo, arte, urbanismo… nada escapa ao domínio da cultura. Esta transformou-se numa cultura-mundo, a do tecnocapitalismo generalizado, das indústrias culturais, do consumismo à escala global, dos media e das redes digitais. Ao transcender agora todas as fronteiras, e tornando mais confusas as antigas dicotomias entre «civilização» das elites e a «barbárie» da populaça, ela manifesta uma vocação planetária e permeia todos os sectores de actividade. Ao analisarem esta transformação, os autores avançam pistas para um possível curso de acção que enfrente o primado, em crescimento, do consumismo e a desorientação generalizada desta época. E se os anos vindouros fossem, paradoxalmente, os da «vingança da cultura»?